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Pintando Sonhos com Palavras de Saudade

Adiaspora.com em Entrevista com Manuel Cândido Martins

Entrevista conduzida por: Adelina Pereira
Toronto, 16 de Agosto de 2010
Adiaspora.com


 

Manuel Cândido Martins

Manuel Cândido Martins é um dos mais conhecidos pioneiros das lides associativistas no seio da Comunidade Portuguesa do Ontário. O seu percurso enquanto imigrante português no Canadá destaca-se pela sua postura perseverante e interventiva na perpetuação das culturalidades lusas naquele país de acolhimento. Ao longo de uma preenchida e interessante vida, integrou e fundou inúmeras colectividades com o propósito de servir esta significante parcela da nossa Diáspora Lusa.

Eduardo Pedro, Manuel Cândido, Sidónio Bettencourt, José Silva, Fernando Cândido Martins, Manuel Humberto Fraga, Manuel Gomes, Mário e Manuel Cândido Martins,
na cidade da Horta, Faial

É acima de tudo um sonhador, um espírito eternamente jovem ávido de vida e de saber, um idealista que pugna pelos valores humanistas e pela preservação da língua e cultura do seu povo em terras que não as suas. Em tempos transactos, foi pintor de profissão. Pintou automóveis, pintou edifícios e casas, mas a pintura que Manuel Cândido Martins melhor exerce é aquela que faz com a sua paleta de palavras sobre a tela do imaginário, nos versos e na prosa que compõe compulsivamente, em que traça os confins das suas vivências. Esta sua faceta literária foi revelada ao Mundo, em 2000, aquando da publicação do seu livro Longínquo Despertar.
Em conversa informal com um elemento de Adiaspora.com, Manuel Cândido Martins divulga algumas das suas mais memoráveis e marcantes recordações, num registo que não só serve o propósito de o conhecer mais intimamente, mas também o de assegurar para a posteridade um valiosíssimo depoimento que, de certo, contribuirá para a historicidade da presença portuguesa no Canadá.


ADIASPORA.COM: Manuel Martins é imigrante radicado em Toronto, pessoa muito ligado às lides comunitárias. Sr. Manuel, pode dizer-nos de onde é?

MANUEL CÂNDIDO MARTINS: Sou natural da Ilha do Pico.

ADIASPORA.COM: A sua data do nascimento?

MCM: 23 de Fevereiro de 1927.

ADIASPORA.COM: Pode contar-nos um pouco do que se recorda do Pico do seu tempo?

MCM: Não é fácil, porque para falar do meu tempo teria de principiar desde quando eu era criança, não é?

ADIASPORA.COM: Vamos começar por onde frequentou a escola?

MCM: Comecei por frequentar a escola da freguesia de São João aos sete anos de idade.

ADIASPORA.COM: Essa é a freguesia onde nasceu?

MCM: Sim, é a freguesia onde nasci. Estive um ano naquela escola. O meu pai era do Faial e tinha a profissão de pintor. Trabalhava na cidade, nas companhias telegráficas que lá havia nesse tempo. Não estava propriamente radicado na Horta, mas como ia para lá trabalhar, passava lá muito tempo. Nós íamos para a Horta, passávamos muito tempo naquela cidade e eu tive de ingressar na escola da Matriz da Horta.

ADIASPORA.COM: Então parte da sua meninice foi passada no Pico, e outra na cidade da Horta, no Faial. O que se recorda do Pico da sua meninice que seja diferente do Pico que conhece hoje?

MCM: Muita coisa! Na minha meninice, quando principiei a andar, a nossa casa ficava numa canada. Hoje, aquele lugar tem caminho para automóveis, mas naquele tempo era uma canada estreita com silvas. Nós tínhamos que andar aos pulos para não arranhar as pernas por cima das pedras que faziam o pavimento da calcetada, pedras antigas , pedras brutas, não pedras trabalhadas à mão.

ADIASPORA.COM: Nesse tempo, o Pico era ainda um grande entreposto baleeiro?

MCM: Evidentemente. Era e foi durante parte da minha vida, até eu ser já adulto. A ciclo baleeiro nos Açores só chegaria ao seu termo já na década de 1980.

 

António Amaral, Manuel Quaresma, Manuel Herculano da Silveira, Manuel Cândido Martins, Carlos Pimentel, Maria Manuela Goulart, Manuel Rebelo e Manuel Pereira,
fundadores do Amor da Pátria

 

ADIASPORA.COM: O que se recorda da cidade da Horta dos velhos tempos?
MCM: Da Horta recordo-me que, nos tempos em que eu andava na escola, pois era ainda pequeno, certo dia chegou um navio alemão de turistas, os quais se espalharam pela cidade. Na Praça da República, um desses alemães deu-me cinco centavos…

ADIASPORA.COM: Isto foi mais ou menos em que ano? Foi depois da Segunda Guerra Mundial?

MCM: Não, antes, em 1934 ou 35… Eu tinha esses cinco centavos na mão e apareceu uma mulher com um cesto de nêsperas à cabeça. Eu dei-lhe aquele dinheiro e ela deu-me um punhado de nêsperas. É o valor que ainda hoje retenho de cinco centavos daquele tempo!

ADIASPORA.COM: Um punhado de nêsperas! É o seu ponto de referência, o seu referencial do valor das coisas nesses tempos…
MCM:  É engraçado, não é? Mas foi uma das coisas que me ficou na memória!

ADIASPORA.COM: Sabemos também que passou uma temporada na Ilha Terceira…

MCM: Estive nas Base das Lajes…

ADIASPORA.COM:  O que fazia lá, na base?

MCM: Fiz várias coisas. Estive no Clube de Oficiais Americanos como empregado de mesa, waiter. Depois passei para os escritórios da messe do Clube de Oficiais como storekeeper (armazenista). Recebia os géneros que vinham de fora, armazenava-os, fazia o inventário e passava-os para a cozinha, para os cozinheiros, conforme iam precisando…

ADIASPORA.COM:  Entretanto, ainda moço concerteza, casou.

 

Manuel Cândido Martins na base americana das Lajes, Ilha Terceira, Açores

 

MCM: Casei e tive um filho.

ADIASPORA.COM:  Este chama-se?

MCM: Victor Martins…

ADIASPORA.COM: Que é hoje cançonetista, aqui na Comunidade…

MCM: Sim, o meu filho escolheu a vida artística, mas não vive só disso. A vida artística é só para os fins-de-semana. Ele tem de trabalhar…

ADIASPORA.COM: Em que altura decidiu emigrar para o Canadá?

MCM: Tive outros destinos em vista, como a África. Mas depois África não deu certo porque precisavam de gente para a lavoura. Eu ainda tirei a carta de tractorista, mas não consegui. Em seguida, tentei a América, no âmbito da emigração dos sinistrados do Vulcão dos Capelinhos. Apesar de várias coisas estarem em ordem nesse meu processo, a ida para a América acabou por não se concretizar. Depois abriu a imigração para o Canadá e registei-me. A minha mulher tinha feito uma cesariana aquando do parto do meu filho e por tal motivo não ficou apurada, mas eu e o meu filho ficamos apurados. Assim, a minha mulher ficou nos Açores e eu acabei por emigrar sozinho.

ADIASPORA.COM:  Em que ano emigrou?

MCM: Em 1966.

ADIASPORA.COM: Nessa altura, viajou para o Canadá de barco ou de avião?

MCM: De avião.

ADIASPORA.COM: De onde partiu, nos Açores?

MCM: Saí das Lajes do Pico, no antigo paquete Lima..

ADIASPORA.COM: O célebre barco que transportou emigrantes para a África, para o Brasil…

MCM: Fez muita coisa na sua vida, o tal velhinho barco…

ADIASPORA.COM: O Lima levou-o até onde?

MCM: Viajei no Lima até Ponta Delgada. Depois, fui parar ao aeroporto que lá havia, o chamado “Aero-vacas”…

ADIASPORA.COM: Era uma espécie de aeródromo?
MCM: Não, mas havia lá vacas a pastar mesmo ao lado…

ADIASPORA.COM: Mesmo ali, nos terrenos contíguos?

MCM: Sim, aquilo era uma coisa que não era direita, nem terraplanada, nem coisíssima nenhuma!...

ADIASPORA.COM: Era um aeroporto um pouco rural?

MCM: Era, era rural e primitivo. Não havia torre de controle, havia um saco afunilado a assinalar a direcção do vento e havia lá uma avioneta pequena de seis passageiros. Fomos nela. A avioneta principiou a correr como um gafanhoto aos saltos sobre a terra virgem, natural…

ADIASPORA.COM: Para o Aeroporto Internacional de Lester Pearson, aqui em Toronto, viajou em que tipo de avião? Não veio de avioneta!

MCM: Não, a avioneta levou-me até ao Aeroporto de Santa Maria. Julgo que talvez fosse o aeroporto internacional porque foram os americanos que o construíram. Eles utilizavam a base na Terceira para os aviões de guerra, mas lá não sei o que tinha acontecido.
ADIASPORA.COM: O que é certo é que o avião saiu de Santa Maria.
MCM: Sim, o avião saiu de Santa Maria.

ADIASPORA.COM: Quando chegou a Toronto, qual foi a sua primeira impressão da cidade na qual acabou por se radicar?

MCM:  Cheguei em Março…

ADIASPORA.COM: Sabia falar inglês?

MCM: Um pouco, falava o suficiente para resolver qualquer assunto, tanto que fui requisitado a bordo do avião para servir de interprete. Os passageiros pediram. Quando entrei no avião, falei com as hospedeiras em inglês. Já estava eu sentado quando elas me vieram buscar para as ajudar, e ajudei-as durante toda a viagem.

ADIASPORA.COM:  A companhia aérea era canadiana?

MCM: Sim, era a Canadian Pacific. Hoje já não existe.

ADIASPORA.COM: Chega a Toronto e depara-se com quê? Foi para onde? Quem conhecia cá? Como era a cidade na altura?

MCM: Conhecia um rapaz de lá que me tinha dado o seu número de telefone. Não tinha mais ninguém.

ADIASPORA.COM: O seu nome?

MCM: José Porto. Telefonei-lhe, mas ele não me esperava. Telefonei-lhe do aeroporto quando cheguei e disse-lhe, “Oh José, estou aqui no aeroporto!”. Ele ainda estava a dormir pois era de manhã. Ele disse, “ Oh, não tenho carro. Só se tu apanhares um táxi e vieres até aqui.” Saí do aeroporto e estava lá um táxi. Pedi ao taxista que me viesse pôr em Toronto. Eu tinha o endereço da casa, mas o chauffeur não conhecia Toronto bem. Pedia-me indicações e eu não as sabia dar. O taxista disse-me “Mas então, você não é imigrante aqui pois fala inglês…” Respondi-lhe, “Falo inglês mas não sou daqui, nunca estive aqui!” E andámos um bom bocado até chegar à casa do meu amigo.

ADIASPORA.COM: O seu amigo acolheu-o nos primeiros dias?

MCM:  Acolheu-me três ou quatro dias até eu arranjar um quarto onde me instalar.

ADIASPORA.COM: Nessa altura, ao que nos parece, o centro da vida comunitária portuguesa era na zona da Rua Augusta…

MCM: Sim, mas fui parar à Lisgar Street. Não era muito longe da Rua Augusta, pois ficava ali naquela área.

ADIASPORA.COM: E depois empregou-se em quê?

MCM:  Estive talvez três ou quatro dias à procura de trabalho. Fui-me empregar ao lado de Scarborough, num dealer (representante) de Toyotas. Naquele tempo, os Toyotas vinham do Japão. Não eram feitos aqui, no Canadá. Não havia fábricas de montagem. Era um dealer que também tinha uma oficina de reparação. Como eu tinha a profissão de pintor também….

ADIASPORA.COM: Pintor de quê? Pintor de automóveis?

MCM: Sim, pintor de automóveis e de construção civil.

ADIASPORA.COM: Pintava tudo!

MCM: Pintava tudo, pois nos Açores era assim. Tínhamos que nos desenrascar com todas as coisas. Estive lá com ele (referindo-se ao citado representante da Toyota) e foi ele que garantiu a minha estadia cá junto da Imigração. Era alemão…

ADIASPORA.COM: Sabemos que depois começou a entrosar-se na Comunidade Portuguesa de Toronto e que, em determinada altura, muda-se para Mississauga?

MCM: Não, não, fiquei em Toronto. Mudei para os lados de Brampton, mas isso foi 15 anos depois.

ADIASPORA.COM: Contudo, sabemos que começou a interessar-se pela vida associativa e que nutre particular pendor pelo culto açoriano do Divino Espírito Santo, tendo sido um dos pioneiros na sua implantação aqui na Comunidade. Como é que isso aconteceu?

MCM:  Ajudei, não implantei. Ajudei. Antes disso acontecer, tinha tido a ideia de me ligar à Comunidade oriunda do Distrito da Horta, que nesse tempo era Faial, Pico, Flores e Corvo, mas primeiro precisava de conhecer todo o pessoal dessas ilhas, que não conhecia na altura que cheguei. Depois fui-me aproximando, ora daqui, ora dacolá. E nessa altura, quando pensava nisso, encontrei um amigo meu que conhecia na Horta, Manuel Rebelo.  Este disse-me que o Padre Cunha, então destacado na Igreja de Santa Maria  (era novo e nessa altura tinha acabado de chegar lá)queria organizar os distritos do Continente e Açores numa apresentação de carros alegóricos para celebrar o Dia de Camões.

 

Desfiles de carros alegóricos na cidade Toronto, Canadá (1966-1970)

 

ADIASPORA.COM: Onde era essa celebração?

MCM: A celebração foi feita aqui, em Toronto, num parque perto da Dufferin. O Padre Cunha tinha perguntado ao meu amigo se tinha alguma ideia sobre o Distrito da Horta, etc. etc. O meu amigo informou-me que não tinha nenhuma, que não tinha nada, e eu disse-lhe, “Ok. Vamos meter mãos à obra!” E aí principiei com pinturas das paisagens do Distrito da Horta, do Pico etc. …

ADIASPORA.COM: Para enfeitar os carros alegóricos?

MCM: Sim, para colocar nos carros alegóricos…

ADIASPORA.COM: Isto foi em que ano?

MCM: Isto principiou em Junho de 1966.

ADIASPORA.COM: Então ajudou nesses desfiles…

MCM: Não, organizei o desfile. Os outros é que me ajudaram, pois não havia ninguém que estivesse à frente.

ADIASPORA.COM: Durante quantos anos houve, nessa altura, o desfile do Dia 10 de Junho?

MCM: Houve mais quatro edições.

ADIASPORA.COM: E porque cessaram?

MCM: Cessaram por causa da política. Em Portugal, não era permitida a celebração do 10 de Junho. Estávamos no regime salazarista e andavam por aí informantes da PIDE. Assim, terminámos os desfiles em 1970.

ADIASPORA.COM: Depois disso, sabemos que não se deixou esmorecer e que esteve envolvido na fundação de uma colectividade de apoio à Comunidade Portuguesa…

MCM: Ah, isso foi o Amor da Pátria. Aconteceu com todos aqueles que tinham aderido aos carros alegóricos, gente que eu já conhecia. Idealizei o projecto ,pois já me tinham falado que se deveria fazer um clube para a Comunidade …

ADIASPORA.COM: Porquê  “Amor da Pátria”?

MCM: Fui eu que escolhi o nome, pois nós tínhamos amor à nossa pátria. Tínhamos vindo de um lugar onde julgavam que nós não amávamos à pátria por não estarmos de acordo com o regime. Consideravam que aqueles que discordavam do regime em vigência na altura não amavam a pátria…

 

Manuel Cândido Martins participa no corte do bolo de aniversário do Amor da Pátria (2008)

 

ADIASPORA.COM: Ao fundar esta associação com este nome, quiseram demonstrar o contrário?
MCM: Sim. Depois havia na cidade da Horta a associação Amor da Pátria, mas esta tinha cá fora um escrito em letras gordas que se podiam ver “associação dedicada à alta sociedade faialense”…

ADIASPORA.COM:  Exactamente. Até foi, em tempos, uma loja maçónica.

MCM:  Foi quando principiou. Mas o Amor da Pátria a que me refiro surgiu já numa fase posterior, mas alegaram sempre que pertencia à loja maçónica.

ADIASPORA.COM: Em que ano fundou o Amor da Pátria em Toronto?

MCM: Foi registado a 1 de Fevereiro de 1971.

ADIASPORA.COM: O Amor da Pátria ainda continua em actividade?

MCM: Ainda continua. Estive lá 33 anos. Espero que os que estão por lá façam um esforço para pelo menos salvar o nome.

ADIASPORA.COM: Agora vamos voltar ao culto do Divino Espírito Santo. Sabemos que esteve ligado à formação de uma das primeiríssimas irmandades do Divino Espírito Santo no Ontário.

 

Manuel Cândido Martins
com a Primeira Irmandade Independente
do Divino Espírito Santo, PCIM - Mississauga

 

A Irmandade Açoriana do Divino Espírito Santo do Sport Club Lusitânia de Toronto

 

MCM: Estive ligado à sua fundação e ajudei. A primeira Irmandade do Divino Espírito Santo de Mississauga foi fundada a partir de uma organização que se chama Portuguese Integration Movement.

ADIASPORA.COM: O Portuguese Integration Movement , como o seu nome indica, concerteza será uma sociedade de apoio à Comunidade Portuguesa num sentido mais lato.

MCM: Serviu sempre de apoio enquanto houve imigração. Nós ajudávamos os imigrantes recém-chegados a instalarem-se, na procura de médicos, na parte burocrática toda, mas isto foi naqueles tempos. Hoje já não chegam imigrantes nessas condições.

ADIASPORA.COM: Em que ano foi fundado o Portuguese Integration Movement?

MCM: Em 1972.
ADIASPORA.COM: Quando foi implantada a Irmandade do Divino Espírito Santo de Mississauga  dentro dessa organização.

MCM: A Irmandade foi fundada um ano depois.

ADIASPORA.COM: Quem foram os seus co-fundadores?

MCM: Manuel de Melo e havia mais dois. Um era o Botelho e já não me recorda o nome do outro.

ADIASPORA.COM: Ao que sabemos, o Portuguese Integration Movement e particularmente a Irmandade continuam em actividade também.

MCM: Continuam em actividade bem sólida. Todos os anos realizamos a Grande Festa do Divino Espírito Santo com a distribuição de Sopas e alcatra a todo o pessoal que vem. Não é a pessoal convidado, mas a todo o pessoal que aparece. Temos outros eventos como a Matança do Porco e a Festa de São Martinho

ADIASPORA.COM: Estes últimos são organizados pelo Portuguese Integration Movement e não pela Irmandade?

MCM: Sim.

ADIASPORA.COM: Sabemos também que, muito embora seja picoense, se juntou a uma iniciativa do Sport Clube Lusitânia no sentido de fundar mais uma Irmandade do Divino Espírito Santo, mas desta vez com cariz terceirense…

 

Manuel Cândido Martins discursando no Sport Club Lusitânia de Toronto

 

MCM: Sim. Fui um dos que aderiram, mas a ideia foi do Senhor José Ilídio Ferreira. A ideia partiu dele.

ADIASPORA.COM:  E acabou por ser um dos fundadores?

MCM: Sim, acabei por ser um dos fundadores.

ADIASPORA.COM: Quem mais foi fundador dessa irmandade juntamente com o José Ilídio Ferreira e o senhor?

MCM: Francisco Castro.

ADIASPORA.COM: Essa irmandade também se encontra de boa saúde?

MCM: Sim, sim.

ADIASPORA.COM: Gostaria que nos dissesse muito rapidamente  porquê que acha que o culto do Divino Espírito Santo, de acordo com os ditames desse culto nos Açores, continua tão vivo, tão presente na vida dos imigrantes açorianos aqui, no Canadá.

MCM: Não é só no Canadá, mas em todas as partes do Mundo para onde os açorianos imigraram. De qualquer ilha, todos ele levaram consigo a tradição, a cultura e a fé no Divino Espírito Santo.

ADIASPORA.COM: Mas porquê o Divino Espírito Santo e não, por exemplo, outra manifestação religiosa. O que é que o Divino Espírito Santo tem de especial?

MCM: O Divino Espírito Santo tem de estar no nosso pensamento. Não é uma imagem que estejamos a ver, não é nada que a gente bem possa ver, nada palpável, nada tangível. Portanto, quem tem fé e pede qualquer coisa, por vezes é escutado. Para além do Universo e de lugares que desconhecemos, há Alguém que está a ouvir-nos e a velar por nós. A adoração do Divino Espírito Santo está provavelmente muito bem implantada, mas mais particularmente nos Açores. Dizem que, aquando das erupções vulcânicas, imploravam a protecção do Divino Espírito Santo e obtinham a graça de os vulcões se acalmarem ou se extinguirem e da vida continuar. Isto passa-se  - e já aconteceu nos meus dias – desde a era setecentista…

ADIASPORA.COM:  Houve erupções já no séc. XVI …

MCM: Sim. Até aos dias de hoje, isso acontece sempre

ADIASPORA.COM: Não só erupções, mas também terramotos…
MCM: Sim, muita coisa do género acontece derivado à localização dos Açores. E o povo continua com a fé no Divino Espírito Santo e lá estão. Nós emigrámos, pois na altura os Açores não oferecia estabilidade material. Emigrámos não tanto por causa dos vulcões, muito embora alguns saíram por causa destes. Foi mais a situação económica, a situação política e diversos outros factores que nos levaram a procurar refúgio noutros países.

ADIASPORA.COM: Temos conhecimento que o Senhor Manuel tem uma visível veia poética e que se dá à escrita. Pode dizer-nos quando é que esta paixão pela escrita o tomou?
MCM:  Isso foi sempre, já desde jovem. Lá nos meus tempos de escola, organizava iniciativas com outros rapazes, organizava bandas de música, organizava danças …

ADIASPORA.COM: Teatro?

MCM: Sim, tentámos por em cena uma peça de teatro, mas não chegámos com ela ao fim.

ADIASPORA.COM: Por outras palavras, teve sempre um certo amor pelas artes e cultura?

MCM: Sim, mas claro que não passo de um amador…

ADIASPORA.COM: Hoje encontra-se reformado. Finalmente, já nos anos da sua aposentação, logrou publicar. Onde e como aconteceu?

MCM: Aconteceu com as saudades da terra. O livro chama-se Longínquo Despertar. Foram as saudades da terra que me obrigaram a colocar no papel como eu sinto as coisas que passei, as coisas que vi, os meus vizinhos, o labutar daquele tempo. Hoje já não existem a maior parte das coisas que descrevi. Por esta razão, a Câmara das Lajes do Pico, a Junta de Freguesia de São João e o Museu Alvião acharam que a obra, embora pequena, tinha valor pelas coisas que já desapareceram, outras que faziam lembrar algo contado pelos avós …

ADIASPORA.COM: Por outras palavras, acharam que a obra tinha valor histórico?

MCM: Sim, e assim patrocinaram o livro.

ADIASPORA.COM: Em que ano saiu o livro?

MCM:  Em 2000.

ADIASPORA.COM: Se alguém desejar adquirir um exemplar do seu livro Longínquo Despertar, o que deverá fazer?

MCM: Deverá dirigir-se ao Museu Alvião, na freguesia de São João, na Ilha do Pico, onde este se encontra à venda.

ADIASPORA.COM: Suspeitamos que anda a planear mais uma publicação, mais algum livro…

MCM: Tenho três ou quatro manuscritos que não chegaram a ser publicados, porque o meu envolvimento com diversas organizações não me deram tempo para dar seguimento a estes projectos editoriais. Não sei se vou ter tempo de o fazer antes de morrer. Ainda queria tentar, mas vamos ver o que vai acontecer.

ADIASPORA.COM: Sabemos também que irá estar com o Portal Adiaspora.com no seu aniversário, nas Lajes do Pico, como palestrante.

MCM: Isso foi um convite do nosso amigo José Ilídio Ferreira, que achou que eu podia dizer alguma coisa. Vou falar sobre aquilo que ainda me lembro daquele tempo quando era menino e moço e andava por ali envolvido com a caça da baleia: quando iam à caça das baleias, quando traziam a baleia… Por vezes ia lá e trazia um bocado de carne de baleia, que armazenava para depois ir pescar.

ADIASPORA.COM: Usavam a carne de baleia como isca?

MCM: Sim, na pesca.

ADIASPORA.COM: Agora está já com uma idade avançada e aposentado já há alguns anos. São 83 anos bem vividos, ao que parece. Gostaríamos que deixasse aqui registada uma mensagem para os jovens luso-descendentes que hoje constroem o futuro da nossa Comunidade aqui, no Canadá.

MCM: A mensagem que deixo aos jovens é que deveriam ter vivido no nosso tempo para poderem avaliar  como era, e para eu poder dizer-lhes para fazer o que nós fizemos.  Os jovens tem de fazer aquilo que se adequa à sua geração. Contudo, devem sempre ter em mente a preservação da nossa língua. Por exemplo, na minha casa, os meus netos falam português, mas nunca tiveram escola. Falam o suficiente para se desembaraçarem. Tenho um neto que apreendeu a falar português durante as férias no Pico e até fala com o sotaque da Piedade!

ADIASPORA.COM: É então da opinião que as camadas mais jovens não deveriam esquecer a nossa língua?

MCM: Era bom não esquecerem. E agora acho que o governo português vai facilitar  o ensino do português no estrangeiro. Aconselhava todos aqueles que tiverem oportunidade a frequentarem as aulas de português, pois eu não tive esse apoio e tive de estudar por mim próprio. Sou um autodidacta.

ADIASPORA.COM: Em relação às tradições e costumes açorianos, como é a cantoria, o culto ao Divino Espírito Santo, as danças de Carnaval, tudo isso, na sua opinião, deverá ser preservado nas Comunidades?

MCM: Sim, acho que deve ser preservado e tenho a certeza isso vai acontecer. Se chegar a desaparecer, será daqui a uns cem anos. Até aí, ainda haverá muitos que irão tentar assegurar a sua continuidade.

ADIASPORA.COM: A título de terminar esta entrevista, gostaríamos que nos revelasse os seus planos para o futuro.

MCM: Não faço planos para o futuro. Vivo o dia-a-dia. Vamos ver. O José Ilídio Ferreira já disse que o portal Adiaspora.com irá à Inglaterra, a Londres. Já estou incluído na comitiva e assim sendo, vou convosco, mas é se eu lá chegar!

ADIASPORA.COM: A sua missão agora é viver o momento de forma plena, será isso?

MCM:  É, e não perder a fé em Deus!

 

Manuel Martins e o director de Adiaspora.com, José I. Ferreira

 

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